Limpieza de sangre
A doutrina teológica da limpieza de sangre, que estruturou a sociedade ibérica dos fins da Idade Média, tinha uma posição central entre os valores sócio-culturais metropolitanos. A noção da limpieza de sangre ganhava forma a partir da ideologia genealógica que fundamentava o status e as honrarias sociais no nascimento legítimo como prova de "sangue" puro, garantido pelo controle dos homens sobre a pureza sexual das mulheres, para assegurar sua virgindade antes do casamento e a castidade depois. A linguagem da limpieza de sangre prevaleceu nas Américas coloniais portuguesa e espanhola seguramente até o século XIX. Seu sentido simbólico na sociedade colonial começou a mudar radicalmente, porém, já no século XVIII. Muito já foi escrito sobre a aplicação dos estatutos de pureza de sangue pela Inquisição espanhola e sobre o ambiente de desconfiança e apreensão que as investigações genealógicas provocaram na Península Ibérica. Muito menos, porém, se conhece quanto às origens e ao sentido simbólico da lipieza de sangre. (STOLKE, 2006, p.21),
A
preocupação com a pureza física e mental das mulheres extrapolavam os textos
sacros e profanos e invadem a mídia mais eficiente dos tempos coloniais: os
confessionários que assim como o púlpito das Igrejas em dias de oficio e festas
religiosas irradiava o discurso normatizador dos corpos. O padre confessor
então perguntava a confidente: "Se pecou com tocamentos desonestos consigo ou
com outrem? Se tem retratos, prendas e memórias de quem ama lascivamente? Se
falou palavras torpes com animo lascivo? Se se ornou com animo de provocar a
outrem a luxuria?" O controle sobre o corpo feminino avançava, e em nome do
amor conjugal tão caro a Igreja, deitava-se nos leitos e redes com as mulheres
casadas. (PRIORE, 1998, p.15)
Uma abundante produção de "panegíricos" (obras religiosas) encobria o pretexto de melhor domesticar a mulher dentro do casamento, e para tal fim se fazia necessário eleger um modelo feminino de corpo obediente e recatado, e carnes tristes. Para louvar esta mulher, determinava-se com clareza e seu avesso: "... as que stão sujeitas e muito apegadas a seus sentidos..." na descrição do pregador frei Antonio de Pádua, em 1783. Nestas, um manual de confissão de 1794 há de admoestar" ... "o vão, o superfulo, o desavergonhado adorno... seus enfeites enganosos, seus unguentos olorosos e outros mil embelecos e embustes que usaram para chamar atenção dos homens". (PRIORE, 1998, p.13)